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quarta-feira, 30 de março de 2011

A História da Serpente Negra

Há muito tempo, viveu um rei respeitado pelos seus inimigos e amado pelo seu povo. Este rei não tinha descendente, e seus anos de juventude já estavam distantes. Por isto, chamou um dia seu vizir e disse-lhe:
- Vizir, estou ficando velho e não tive a graça de ter filhos. Minha morte se aproxima, e com isso me trono e minha coroa cairão em mãos estranhas. Temo que minha sucessão coloque o reino em perigo.
- Meu rei - disse o vizir - queira Deus que seus dias ainda sejam muitos. Mas de qualquer forma, tenho uma idéia: proponho que saiamos disfarçados, e procuremos alguém que, por força de sua magia ou de sua fé, possa nos ajudar.
O rei gostou da sugestão do seu conselheiro, e no dia seguinte, aproveitando-se da solidão do amanhecer, saíram os dois disfarçados para uma caminhada de destino incerto. Depois de muitas horas de caminhada, chegaram até uma fonte, onde pararam para descansar. Então viram que ali chegava também um dervixe de longas barbas brancas, de aspecto venerável e vestindo um manto branco. Fez-lhes uma profunda reverência, dizendo:
- Deus salve o rei!
O rei recebeu surpreso a saudação do dervixe:
- Como sabes quem somos, saberás também a que viemos?
O dervixe disse que sim, e deu para o rei uma maçã, dizendo que à noite, ele deveria comer a metade, dando a outra metade à sua esposa. O rei agradeceu, pegou a maçã e fizeram o caminho de volta.
À noite, o rei fez como disse o velho dervixe: antes de deitarem, rei e rainha comeram, cada qual uma metade da maçã. Dias depois, percebeu-se que a rainha estava grávida, enchendo o castelo e todo reino de imensa alegria. Nove meses e dez dias após aquela noite, a rainha sentiu as dores do parto. Foi chamada uma parteira, e quando a rainha ia dar à luz... viu-se que se tratava de uma serpente negra, que tão logo colocou sua cabeça para fora, mordeu a parteira e esta morreu. Uma outra parteira foi chamada, mas também foi morta pela serpente. O mesmo aconteceu com uma terceira e uma quarta parteira, e logo ninguém mais atendeu ao chamado para ser parteira no castelo.
Os guardas andavam de porta em porta pelo reino procurando uma parteira, até que chegaram em uma casa onde a mulher que os atendeu tinha uma enteada a quem odiava e lhes disse:
- Meus filhos, eu tenho um filha que é mestra em trazer crianças ao mundo.
Os guardas pediram então que permitisse que a garota fosse levada ao castelo, e assim foi. Pelo caminho, passaram pelo cemitério, onde estava enterrada sua mãe verdadeira, e ela rezou:
- Mãezinha, mãezinha, minha madrasta me manda para a morte, me ajuda mãezinha!
Ela escutou uma voz que dizia:
- Minha filha, quando chegares no castelo, põe leite numa caixa. A rainha tem uma serpente negra em seu ventre. Coloca a caixa diante de ti, e quando a serpente sair, fecha a tampa e leva a caixa ao rei.
A garota fez como lhe disse a voz: colocou leite em uma caixa, e quando foi atender a rainha colocou a caixa diante de si. Tudo aconteceu muito rápido, mas foi como lhe disse a voz. A serpente saiu para dentro da caixa e a garota fechou a tampa. Depois, levou ao rei para que ele conhecesse seu filho. O rei ficou muito surpreso. Agradeceu e recompensou a jovem com muitas moedas. Então, ela deixou o castelo e, voltando para casa, deu as moedas para sua madastra.
No castelo, o príncipe crescia trancado num quarto no alto de uma torre. Ficava aos cuidados de escravas, porque quem quer que estivesse com ele, exceto seus pais, corria risco de vida. De tempos em tempos, diante de alguma contrariedade, uma escrava era mordida e morria. O rei fazia trazer outra e assim passavam-se os anos.
Quando o príncipe-serpente completou cinco anos, disse para a escrava que então tomava conta dele:
- Diga ao meu pai que eu quero estudar e aprender. Ele deve me trazer um professor.
O rei ficou satisfeito com o pedido. Providenciou que trouxessem um professor e o príncipe começou a ter aulas. Mas logo nos primeiros dias, mordeu o professor, e este morreu. O rei mandou trazer outro, e o mesmo aconteceu, e assim mais outro e outro mais... Até que não se encontrasse no reino alguém disposto a dar aulas para o príncipe. Então o vizir sugeriu ao rei que mandasse buscar a parteira do príncipe para que ela lhe desse aulas.
Esta proposta agradou ao rei, e ele mandou novamente guardas até a casa daquela garota para que a trouxessem. Quando estava sendo trazida ao castelo, passou novamente pelo cemitério onde estava enterrada sua mãe, e disse:
- Mãezinha, mãezinha, eu fiz como tu disseste, e fiz nascer a serpente. Agora procuram um professor, pois todos os outros a serpente mordeu e matou. Agora, vieram me buscar, eu eu não se o que fazer.
- Minha filha, não tema - disse-lhe a voz - corta quarenta e uma hastes de roseira. Quando a serpente pular em ti, bate nela com as quarenta hastes, e finca com a quadragésima primeira.
Quando a garota chegou no castelo, disse que precisava ir até o jardim. Lá colheu as hastes de roseira e foi até o quarto onde estava o príncipe. Tirou-o da caixa e abriu o Corão para começarem o estudo. Após alguns momentos, o príncipe precipitou-se contra a garota e ela defendeu-se com as hastes de roseira, tal como dissera a voz. O príncipe-serpente acalmou-se e a aula pode continuar. E assim, passaram-se os dias e os meses, e para surpresa e agrado do rei, o príncipe aprendia. Depois de muitas aulas, a garota já não tinha mais nada a ensinar-lhe. Novamente foi recompensada com muitas moedas, voltou para sua casa e entregou tudo à sua madastra.
Os anos passavam e quando o príncipe tinha dezesseis anos, foi até seu pai e disse:
- Pai, eu quero me casar!
Mal ou bem, o rei concordou com o pedido, e procurou uma princesa para casar o filho. O casamento foi feito, sem muita festa ou alarde. Mas logo na primeira noite em que os noivos ficaram juntos, a serpente mordeu a moça e ela morreu. E o mesmo aconteceu com outra e mais outra... Até que o rei foi aconselhado a casar o filho com aquela que havia sido sua professora. Novamente a moça foi trazida ao castelo. E quando passava pelo cemitério onde estava enterrada sua mãe, ela disse:
- Mãezinha, mãezinha, eu dei aulas e ensinei a serpente, tal como tu o disseste. Mas agora, querem que eu seja sua esposa. Eu não sei o que fazer.
- Minha filha, não tema. Veste a pele de quarenta porcos, e a serpente não te atingirá. Quando ele pedir que tu tires a roupa, pede que ele tire a sua primeiro. Quando ele tirar sua roupa, joga-a no fogo, e depois podes deitar com ele sem medo.
A garota fez como disse a voz, e o casamento foi realizado. Quando os noivos foram para o seu quarto, a serpente pulou na garota tentando mordê-la, mas seus dentes não conseguiram atravessar as peles. Então o príncipe disse para que ela tirasse suas roupas. Ela falou para que ele primeiro tirasse a sua. Quando ele o fez, ela jogou a roupa de príncipe no fogo que ardia na lareira do quarto. Então ela viu que diante de si estava um jovem, belo como a Lua no décimo quarto dia, e os noivos abraçaram-se. Na manhã seguinte, os pais do príncipe foram até o quarto dos noivos e ficaram maravilhados com o acontecido. Eram indescritíveis a emoção e a alegria de todos, e logo todo o reino participava desta felicidade.
O príncipe e sua esposa (a jovem que agora era princesa), viveram muito tempo juntos. Mas um dia, o príncipe foi até seu pai e lhe disse:
- Pai, eu quero viajar para o estrangeiro. Se Deus quiser, volto em dois meses.
O rei concordou, e o rapaz arrumou tudo para a sua partida. Ao sair, despediu-se da sua esposa, beijando-a nos olhos.
Tanto o rei como a rainha eram imensamente gratos à moça que, desde o nascimento, tanto ajudara seu filho, culminando com o desencantamento. Assim, tratavam-na melhor que a uma filha verdadeira. Entretanto, este não era o sentimento de outros dentro do castelo: algumas escravas sobreviventes dos tempos dos príncipe-serpente, tinham inveja da sorte da jovem tornada princesa. Quando a rainha, após um mês de ausência do filho, recebeu uma carta sua, as escravas escreveram uma outra carta, onde se lia: "Quero que cortem mãos e pés da minha esposa, e joguem-na fora".
A rainha leu a carta e, cheia de horror, mostrou-a para a princesa. Disse que não conseguiria fazer cumprir a ordem de seu filho, sugerindo que a princesa fugisse. A jovem foi para o seu quarto, vestiu um roupa simples, juntou alguns poucos pertences e partiu.
Depois de algum tempo de andança, a princesa chegou a um lugar onde estavam alguns caixões. Ela estava cansada e triste. Bem perto dela, num dos caixões, estava deitado um jovem. O rapaz levantou-se, foi até ela e disse:
- Ei, garota, como chegaste até aqui sem medo? Saiba que logo virá uma pomba, e se ela te vê, vai matar-te. Vem, deita neste caixão e te esconde.
Mas o jovem deitou-se junto. E deste encontro, a princesa ficou grávida. A pomba veio, trouxe comida ao rapaz que dormia no caixão. Quando a pomba se foi, ele dividiu seu alimento com ela, e assim passavam os dias. Quando chegou o tempo do nascimento do filho que a princesa trazia em seu ventre, o rapaz lhe disse para seguir pelo caminho até uma fonte, em frente da qual havia um palácio.
- Dali, sairá uma jovem, a quem deves dizer: "Por Bachtijar, leva-me para casa, pois vou dar a luz". Ela vai amparar-te, então eu virei e darei um nome para a criança.
A princesa levantou-se, foi até a fonte, sentou-se em uma pedra e aguardou. Do palácio, veio uma jovem escrava com um grande jarro nas mãos. A princesa então falou conforme o rapaz mandara. A escrava levou-a para o palácio, foi até a rainha e contou o que havia acontecido. A rainha emocionada disse para sua filha, irmã mais velha do rapaz:
- Oh, esta jovem conhece meu filho Bachtijar, e certamente é dele que está grávida. Traga-a imediatamente.
A jovem foi levada até a rainha, que a levou para o quarto do seu filho Bachtijar - que estava vazio. Ali ela foi instalada, e logo começou com os trabalhos de parto. Poucas horas depois, nasceu um lindíssimo menino. Exatamente à meia-noite, veio o rapaz e disse que seu filho deveria se chamar Havbetjar, e se foi.
Ele voltou na noite seguinte, e perguntou pelo seu Havbetjar. A princesa respondeu que ele estava no berço, sendo cuidado pela sua irmã mais velha. A moça contou para a rainha e sua cunhada que Bachtijar estava vindo ver seu filho. Na noite seguinte, quando ele voltou, sua mãe e sua irmã o esperavam no quarto. O rapaz tinha sido levado do castelo quando ainda era menino, e todos sentiam muitas saudades. Depois de se abraçarem, ele disse que deveria voltar antes que o pássaro percebesse a sua ausência, mas a mãe fê-lo ficar, pois ainda era muito cedo e as estrelas ainda brilhavam. As horas foram passando, e a rainha sempre dizendo ao seu filho que não fosse, pois era cedo. Assim, a luz do dia chegou e com ela, o pássaro. De um galho, à janela, gritou:
- Ei, Bachtijar, que caia a parede a qual toquei!
Mal disse estas palavras e a parede caiu com grande estrondo. E o pássaro continuou:
- A árvore, sobre a qual estou, deve secar! - e a árvore começou a secar e suas folhas a caírem. E assim continuou a pomba a falar, mostrando todo seu ódio, até que rebentou.
- Graças a Deus!! - disse o rapaz - O pássaro morreu e eu agora estou salvo. Todos se abraçaram, e a rainha disse que agora deveriam tratar do casamento do seu filho com a jovem que tanta felicidade havia trazido àquela casa.
Passados alguns dias, Bachtijar foi até a casa de chá da cidade. Justo neste momento, um jovem estrangeiro entrou e sentou-se perto de Bachtijar. Era o príncipe que havia nascido serpente: quando voltou da sua viagem, foi logo perguntando pela sua esposa. Sua mãe disse-lhe que por causa da sua carta, ela havia ido embora, na direção das montanhas, pois não havia permitido que suas ordens fossem cumpridas. O príncipe não entendeu nada, pois sua carta verdadeira não trazia senão saudações e manifestações de carinho. Viram que se tratava de alguma maldade e ele saiu desesperado a procurar pela sua esposa. Agora estavam ali, bem próximos um do outro, e ele começou a perguntar por ela.
Quando o príncipe contou sua história, Bachtijar percebeu de quem se tratava a moça que aquele jovem buscava. Foi até ele e convidou-o para ir até sua casa. Deixaram a casa de chá e foram para o palácio. Enquanto comiam, contou Bachtijar a sua história, do começo até o final. Depois, foi ao quarto onde estava a jovem e disse-lhe:
- Minha princesa, acaba de chegar teu primeiro marido, e ele vem à tua procura. Diz que a carta que recebeste era uma fraude, e te quer de volta. Tu deves refletir, e depois ir até aquele com o qual queres ficar. Mas te aviso que, se quiseres ir, ficarei com o nosso filho.
Bachtijar voltou e sentou-se. Depois de algum tempo de espera, a jovem veio até a porta. Ali, parou. Quando olhou nos olhos do príncipe serpente, foi direto até ele. Bachtijar disse:
- Deus os abençoe! - e saiu da sala.
Na manhã seguinte, os dois voltaram para sua casa. Trouxeram muita alegria ao rei e à rainha, que tanto sentiam a falta daquela que salvou seu filho do terrível destino de serpente. Renovaram suas bodas com grande festa, que durou quarenta dias e quarenta noites. E a mesma alegria que reinou durante os dias e noites de festa, acompanhou-os por toda a sua vida.

Türkische Märchen, Eugen Diederichs Verlag, Jena, 1925
Traduzido do Alemão por Sergio C. Bello
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